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“Estamos em guerra contra a construção da hidrelétrica”, afirmam indígenas


O Povo Bororo se manifestou publicamente pela primeira vez ontem, 10/08, sobre o projeto da hidrelétrica Boaventura no Rio das Garças, em audiência na Câmara Municipal de Barra do Garças. Os indígenas, que serão afetados diretamente pelo empreendimento, expressaram sua preocupação e repúdio à instalação da usina para um auditório lotado. A audiência foi solicitada pelo Ministério Público Federal de Barra do Garças com o objetivo de ouvir a opinião de especialistas e representantes da sociedade civil. Antes, a empreiteira Energias Complementares do Brasil (ECBrasil), responsável pelo projeto, já havia realizado três audiências em cidades da região com o mesmo objetivo. Dessa vez a empresa não mandou representante para o evento.

Especialistas e representantes de órgãos públicos apresentaram os efeitos negativos para o meio ambiente e as falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), apresentado pela ECBrasil. Segundo eles, esses problemas podem prejudicar a diversidade da fauna e da flora da região.

Os Bororo da Terra Indígena de Meruri (região de General Carneiro), chegaram com a pintura e os ornamentos tradicionais e ocuparam a frente do auditório da Câmara Municipal. O indígena Adriano Boro Makuda defendeu a importância do Rio das Garças tanto para a alimentação quanto para a espiritualidade do seu povo. Segundo ele, toda a organização social dos Bororo está ligada ao rio e prejudica-lo é uma ofensa para a etnia: “Nós estamos preocupados, nós estamos tristes, nós estamos em guerra. Até o último guerreiro que existir, nós estaremos lutando para que não seja construída essa hidrelétrica”.

Eles também leram uma carta que sintetizou a vida dos Bororo em torno do rio e lembrou que a subsistência, as crenças e a organização social são direitos garantidos pela Constituição brasileira aos povos originários. “A Usina Hidrelétrica Boaventura vem impactar drasticamente e diretamente o nosso modo de ser, fazer e viver Bororo”, diz o manifesto.

Os indígenas ressaltaram que o Rio das Garças é a sua principal fonte de alimento. Eles relataram que pescam, caçam na beira do rio e ainda colhem ervas medicinais para sustentar as famílias. Segundo Dilermando Lima, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e especialista em peixes, a vida aquática do rio corre riscos. Ele, que está analisando os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica, relatou que em outras usinas a população de algumas espécies de peixe diminuiu e outras até desapareceram, prejudicando a pesca. “Esse discurso de que a energia é limpa é uma falácia”, afirma.

A professora da UFMT Marcia Cristina Pascotto, especialista em aves, afirmou que haverá perda de diversidade também entre as espécies de pássaros: “Com o enchimento do reservatório vamos perder habitat”.

Já a bióloga Sinara Cristina de Moraes chamou atenção para o fato de o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental não citarem as espécies transmissoras de leishmanioses presentes na área abrangida. “Cientificamente é provado que quando você faz uma interferência ambiental como essa a fauna de insetos vetores aumenta.”, explica. Outro problema, identificado por ela, que os estudos da usina não preveem, é a possibilidade da migração de animais, como raposas e gambás, para a área urbana, principalmente para a região de General Carneiro. Essas espécies possuem as doenças que podem ser transmitidas para humanos através de um inseto.

O representante da Coordenação Regional Xavante da Funai, Carlos Henrique da Silva, questionou o porquê de a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) não ter esperado o estudo de componente indígena ser concluído para apresentar os impactos ambientais em audiências públicas. Esse documento é um parecer específico que identifica os impactos ambientais diretos e indiretos aos povos indígenas. Ele pode apontar, por exemplo, se a lagoa da aldeia de Meruri, que têm importância espiritual para os Bororo, corre o risco de ser degradada com a construção e operação da usina Boaventura. Segundo Carlos Henrique, o estudo deve abranger ainda a etnia Xavante, que também sofrerá impactos com o projeto.

Além da Funai, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ainda não apresentou um estudo próprio. Sem o parecer desses órgãos públicos, a Sema não pode seguir para a próxima fase do licenciamento, quando se inicia a instalação da usina. Carlos Henrique também destacou que a Funai não foi comunicada sobre as três audiências públicas, nos municípios de General Carneiro, Pontal do Araguaia e Barra do Garças, que a ECBrasil organizou.

Além dos especialistas, representantes políticos, de órgãos, de instituições de ensino e de movimentos também falaram na audiência. O presidente da Comissão de Proteção aos Direitos dos Animais da OAB de Barra do Garças, Leonardo Carvalho da Mota, se manifestou preocupado com a fauna, mesmo com os possíveis benefícios que a Hidrelétrica Boaventura pode trazer para a região: “Não sou contra o progresso. Mas olhá-lo sem a menor consequência não é o correto a ser feito”.

A ausência da empresa responsável pelo projeto, ECBrasil, foi criticada. O vereador Kiko pediu que a Câmara Municipal emitisse uma moção de descontentamento. A empresa alegou à Câmara, por telefone, que não conseguiu deslocar pessoal para representa-la na audiência. Destacou que, com as três audiências promovidas nos três municípios diretamente afetados pela UHE Boaventura, cumpriu a norma que a fase atual de licenciamento exige. Outra ausência criticada foi a de algum representante da Sema que tenha acompanhado o Estudo de Impacto Ambiental. O órgão enviou um servidor da unidade local que não acompanhou a elaboração do estudo.

No momento, tramita no Ministério Público Federal um inquérito civil para verificar os danos socioambientais decorrentes da instalação da UHE Boaventura, que dependendo do resultado, pode barrar o projeto.

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