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A vez e a voz dos indígenas na UFMT Araguaia

A segunda e a terça-feira desta primeira semana de junho na UFMT, Campus Universitário do Araguaia, Barra do Garças, foi para estudantes, professores e comunidade um momento de imersão na história e cultura dos povos indígenas da região. Através do evento ICHS Interativo Povos originários: Interculturalidade e Justiça Social, pela primeira vez, a comunidade acadêmica esteve junto com caciques, professores, guerreiros e jovens indígenas de diferentes etnias e terras indígenas da região, que falaram das suas lutas por terra e território, da dificuldade de manter a cultura, dos seus rituais, dançaram e compartilharam um pouco da sua culinária.

O cacique e a luta pela terra

“Universitários: Respeitem os índios, respeitem suas terras, seus direitos. Somos os primeiros donos dessas terras. A terra é a nossa mãe”, foi esse o grito de guerra que ecoou nessa segunda-feira (05/06), no auditório da UFMT, Campus Universitário do Araguaia. Foi com essas palavras que um dos mais fortes guerreiros das terras mato-grossenses, o cacique da Terra Indígena Marãiwatséde, Damião Paridzané, encerrou sua fala na abertura do evento ICHS Interativo. Sendo breve e direto, ele contou a saga do povo Xavante de Marãiwatséde. Lembrou 1966, durante a ditadura militar, quando os indígenas de sua terra foram colocados dentro de aviões para serem, forçadamente, removidos a outros territórios indígenas, para que suas terras pudessem ser transformadas no maior latifúndio agrícola do Brasil, a fazenda Suiá Missú.

Damião recorda com tristeza as doenças que mataram mais de cem indígenas e os constantes conflitos que enfrentaram dentro de áreas que não eram suas. Era preciso voltar para a terra dos seus antepassados e a luta não foi curta e nem fácil. Organismos internacionais foram acionados para auxiliar nesta batalha. Trinta e oito anos depois, acampados à beira da BR 158, famílias indígenas aguardavam que a justiça lhes dessem o direito a poder viver novamente em suas terras. Nove meses depois, puderam ingressar em parte da terra, mas somente em 2014, a comunidade indígena de Marãiwatséde retomou o direito a ocupar todo o território demarcado. “Nunca desisti da minha luta. Do que é nosso por direito. Somos guerreiros”, destaca o cacique. De novo em casa, Damião ressalta a importância de ocupar o território, criando novas aldeias, protegendo-se de ataques e queimadas criminosas, recuperando a natureza, cultivando milho crioulo e preservando a cultura.

O cacique Damião Paridzané pede aos estudantes que respeitem a terra e os direitos indígenas. Foto: Adailson Pereira.

Paralelamente a fala do cacique Damião Paridzané, o professor de Saúde Coletiva da UFMT Cuiabá, Reginaldo Silva de Araújo, apresentou de forma cronológica a história da luta dos povos indígenas por seus direitos no Brasil. Destacou que foi somente a constituição de 1988, que reconheceu a cultura indígena como uma cultura diferente e que precisa ser respeitada. Foi essa constituição também que determinou a demarcação das terras indígenas. Lamenta ele, o triste momento vivenciado, atualmente, com propostas de ementas à constituição revendo questões como demarcações de terra e o uso destas.

Para entender o porquê a terra é tão importante para os povos indígenas, o mediador do debate, professor Magno Silvestri, explicou que “enquanto para nós, brancos, a terra tem valor de troca, para os indígenas, ela tem valor de uso”. Ou seja, é um bem de uso coletivo, com importância social, ancestral, espiritual e cultural.

O professor Magno Silvestri explica sobre o valor da terra para os indígenas, ao lado do cacique Damião e do professor Reginaldo Araújo. Foto: Adailson Pereira.

O pauzinho na orelha

Ao cruzar com um índio Xavante, vários aspectos nos chamam a atenção. Entre eles, o pauzinho que usam na orelha, o corte de cabelo, as cestas carregadas pelas indígenas. Foram exatamente essas expressões culturais que a segunda noite do ICHS Interativo trouxe ao debate. Em uma roda de conversa com indígenas, o cacique da Terra São Marcos, José Maria, contou sobre os rituais que os jovens indígenas passam para tornarem-se adultos. O ritual começa com um período de reclusão na casa dos jovens e termina com a furação da orelha, onde é colocado o pauzinho. Que segundo José Maria, significa que eles estão agora responsáveis por si e pelos seus atos. Também participaram da roda de conversa o vice cacique de Marãiwatséde, Estevão Tsimitsute, o professor da escola de Marãiwatséde, Cosme Rité e o estudante do curso de direito Ewesh Yawalapiti, indígena do Xingu.

O cacique Xavante José Maria, da Terra indígena São Marcos, inicia a roda de conversas do ICHS Interativo. Foto: Isadora Costa.

A pintura no corpo com urucum e carvão, a gravata, as pulseiras e colares de palha de buriti são caracterizações para momentos de guerra ou rituais de celebração. E foi com um canto de guerra, ecoado pela retomada da terra, que o xavante guerreiro Domingos chamou atenção de todos para refletirem sobre as questões indígenas.

Domingos, da etnia Xavante, fecha a segunda noite do ICHS Interativo com sua fala, um grito de guerra em atenção aos indígenas. Foto: Isadora Costa.

No final, um momento de confraternização entre indígenas e a organização do evento com um canto de bom retorno, em xavante, e logo em seguida, degustação de alguns produtos da culinária indígena: milho verde cozido, bolo na folha de bananeira, chás e chichá, uma bebida fermentada a base de mandioca, tradicional do povo chiquitanos.

O evento, organizado por docentes e estudantes do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, também contou em sua programação com duas oficinas e uma sessão de cinema, com foco nas questões indígenas.

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