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Lar doce rio

09/09/2021

Foto: Rabeche Alves: Rio Garças próximo ao porto do Baé em Barra do Garças - MT.


Se, de fato, a mística sereia Iara existir, com certeza escolheu essas belas águas para morar: águas que banham a região, águas dos rios Garças e o rio Araguaia. Aqui, há abundancia em beleza, encanto, histórias, mistérios e uma diversidade de peixes e animais aquáticos, que são dignos de contos maravilhosos.

É comum encontrar por aqui espécies como botos, raias, pintados, cacharas, candirus, piais, mandis, entre muitos outros representantes da nossa fauna. Mas, além deles, é possível perceber algumas espécies que podem ser confundidas umas com as outras, quando não há uma especificação registrada. Visando identificar essas espécies e também considerando a importância das mesmas para o equilíbrio ecológico, os professores e pesquisadores Valdener Garutti, da Universidade Estadual Paulista, e Paulo César Venere, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), produziram um livro chamado “Peixes do Cerrado – Parque Estadual da Serra Azul”.

“A gente via muita desconexão em alguns trabalhos e resolvemos, então, fazer esse trabalho no sentido de catalogar o que tem de fato. Para você ter uma ideia, depois que a gente fez o catálogo, vários autores usaram essas informações para fazer a re-descrição ou descrição de espécies”, explica Paulo César.


Foto: Rabeche Alves: Encontro do rio Garças com o rio Araguaia na proximidades da

Ponte que faz divisa com Pontal do Araguaia, Barra do Garças e Aragarças.


No livro, que também conta com a participação colaborativa dos professores Fernando Pedroni e Maryland Sanchez, estão especificadas as condições climáticas da região, algumas tipologias e espécies da fauna e flora, cachoeiras e outras belezas naturais. Há ainda as espécies de animais e peixes mais conhecidos até peixes recém descobertos nas águas de córregos, como nos conta Paulo César: “esses pequenos córregos abrigam uma fauna muito diversa, porque eles também são muito diversos. Então, você pega um rio que sai de uma montanha, ele tem uma característica; o rio também de uma área mais plana, ele tem outras características. Associados a isso, se ele [o rio] tem cobertura vegetal, ele tem outras espécies, e assim por diante”.


Novas espécies

Durante a pesquisa, foram identificadas algumas espécies que foram renomeadas para sua catalogação. Duas dessas serviram de homenagem para os professor Paulo César: foram as espécies Moenkhausia venerei (comumente conhecido por piaba) e Leporinus venerei (comumente conhecido por aracuru, aracuru-pintado ou; piauzinho).


Foto: Paulo César Venere


Foto: Paulo César Venere

Houveram ainda algumas descobertas, como no caso da espécie do peixe Astyanax xavante, um tipo de piaba, que recebeu essa nomenclatura em homenagem a etnia Xavante. O professor nos conta que essa espécie é encontrada, especificamente, no córrego do alto da cachoeira Pé da Serra, e que a espécie tem como característica a preferência da não-competição com demais espécies de peixes. Ela prefere locais onde possa se isolar e, por isso, não é comumente encontrada em outros córregos e rios da região.


Foto: Paulo César Venere: Espécie endêmica descoberta durante a pesquisa tem o nome homenagem aos Xavante.

A pesca na região

Constante nas águas do Araguaia, a pesca é uma das principais atividades comerciais da região. Para muitos, é a fonte principal de renda e de alimentação, mas há aqueles que tratam as atividades para fins de lazer e entretenimento, como no caso dos adeptos da pesca amadora e desportiva.


Fotos: Paulo César Venere

Aqui na região do Vale do Araguaia, a pesca é regulamentada e o profissional está amparado pela Z9 (colônia de pescadores) de Barra do Garças, fundada no ano 1994, que também é responsável pelas capatazias de Nova Xavantina, Água Boa, Canarana, Nova Nazaré, Querência, Cocalinhos, Araguaiana, Pontal do Araguaia, General Carneiro ‒ além de contar com associados em Aragarças, Torixoréu e Paranatinga. Segundo a atual presidente, Geandra Barbosa, a Z9 é o órgão responsável por toda a documentação de pesca individual (DPI), a qual possibilita que o pescador profissional tenha regularizado os quilos de peixe que pode pescar e toda a tramitação burocrática de transporte dos pescados. São permitidos cerca de 125 kg pescados a serem transportados pelo profissional por semana.

Além de estar com o DPI em ordem, o pescador deve se atentar ao período de piracema, que é quando há proibição da pesca para a reprodução dos peixes. Os pescadores também contam com o conselho Cepesca, que é a parte responsável por fazer os estudos e que divulga no diário oficial, qual é o período correto para realizar o período de piracema. Em 2021, o período de piracema na região vai de 1º de outubro a 31 de janeiro, segundo o site do governo do estado.


Foto: Paulo César Venere

Foto: Paulo César Venere

Para Orlanda Augusta, pescadora profissional desde 2013, a pesca significa sua fonte de renda e “pé de meia” para uma aposentadoria futura. “A pesca representa tudo, porque é um alimento saudável que a gente adquire. É uma forma de subsistência da gente, principalmente os que não tiveram tanto recurso para estudar para ter uma profissão melhor no mercado industrial. Então, o que salva essas pessoas que tiveram menos oportunidades é negócio de pesca”, conta Orlanda Augusta. A pescadora se aproximou da atividade ainda na infância, quando seu “pai levava a gente para pescar junto. Ele fez a gente ter o gosto pela pesca desde criança, por isso é que eu pesco até hoje e achei na pesca uma agregação para, no futuro, eu me aposentar”.

Diferentemente de Orlanda Augusta, Iraguaito Paulo Paraguaçu, que também é pescador profissional, fala das dificuldades que vem enfrentando com a pesca. “A vida de pescador é muito sofrida. No Araguaia hoje, ninguém vive do peixe, porque acabou tudo. Há uns 10 anos atrás ainda pegava bastante peixe, mas acabou. Já peguei piraíba de 140kg, de 100 kg. Hoje, não pego mais”.

Descendente de indígenas da região, Paraguaçu lembra que seu nome significa grande rio, mas que esse rio não está tão grande assim. “O Araguaia já perdeu mais de 50% da água. Você vai daqui na baliza tem mais de 54 córregos, você não acha 20 com água. É triste. Para você tem uma ideia, aqui na ponte do Araguaia que tinha 12m de ‘fundura’, uma parte tem 2m ‒ 1,5m, só tem uma parte mais funda que é beirando o encontro das águas que tem uns 3,5m ‒ 4m”.

Segundo o relatório de acompanhamento da estiagem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Barra do Garças está entre as cinco estações de drenagem as quais as precipitações acumuladas de todo o ano hidrológico ficaram abaixo da média de vinte anos para toda a bacia.

Para o professor Paulo César, o melhor caminho para que haja uma conscientização e preservação dessas águas e espécies está na educação e no trabalho conjunto de pesquisadores e órgãos competentes. “Só tem uma solução. Conscientização. Não vejo outro caminho. E não adianta punição. É trazer as pessoas que fazem isso, é trabalhar. É, a função da universidade mesmo, dos pesquisadores, que é tentar fazer essa troca de informações, tentar convencer as pessoas de que quanto mais a gente preservar mais a gente vai ter”, conclui o professor.


Foto: Paulo César Venere

Rabeche Alves




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